Dia 24 de maio os terreiros de todo o Brasil são enfeitados com belos tecidos coloridos, tendas são armadas, incensos dos mais cheirosos são acesos e os baralhos e cristais são colocados por perto para celebrar uma das festas mais bonitas da umbanda: o dia de Santa Sara Kali, padroeira dos ciganos. Quem já teve sua mão lida por uma cigana ou tirou uma de suas cartas sabe a magia que envolve esse povo, seja na linha de umbanda, seja entre os seus descendentes que até hoje caminham por esse mundo.
A história dessa santa é das mais bonitas: Sara era uma cigana, criada de uma das Marias (Jacobina, Madalena, Salomé) que acompanharam a crucificação de Jesus Cristo. A quem ela servia não sabemos, mas é fato que se converteu ao catolicismo ainda em uma época de muita perseguição. Por ser católica, foi condenada junto com essas três mulheres e mais alguns cristãos a ser colocada à deriva em um barco sem velas ou remos, em pleno mar mediterrâneo.
Diz a lenda que Sara rezou fervorosamente pedindo que o barco chegasse à terra firma em segurança. Ela prometeu que cobriria sua cabeça com um lenço pelo resto da vida, dedicando-se para sempre a pregar o evangelho. Todos os presentes oraram com ela por dias a fio. O barquinho chegou à costa da França na cidade que hoje é chamada Sante Maries de La Mer (Santas Marias do Mar), onde até hoje sua imagem está cheia de lenços que foram deixados por fiéis que fizeram promessas a ela. Além de padroeira dos ciganos, Santa Sara é procurada pelos exilados e refugiados, por aqueles que estão em desespero e pelas mulheres que querem engravidar.
Mas e a linha dos ciganos na umbanda? Afinal, são uma linha da esquerda ou não?
A resposta é a mesma para essa e para tantas outras perguntas: depende da sua casa, do seu sacerdote, das suas tradições. Em alguns terreiros os ciganos são considerados uma linha de esquerda, caracterizada principalmente pela presença das chamadas pombagiras-ciganas. Nesses casos vemos muitos usarem moedas, baralhos e leitura das mãos para aconselharem sobre o amor, ajudar na conquista material e também como um exemplo de simplicidade desse povo tão humilde e tão sábio. Outras casas trabalham mais com os ciganos do oriente, que podem falar de maneira diferente, pedir ferramentas como cristais ou ervas e atuam até na linha de cura em alguns casos. Trata-se principalmente de uma diferença na tradição de um terreiro para outro, pois todos esses espíritos com certeza têm o conhecimento, sabedoria e luz para atuar em qualquer tipo de trabalho.
Apesar de ser oficialmente uma santa católica, Santa Sara Kali é amplamente cultuada entre os ciganos “pagãos” e, claro, umbandistas. De todas as preces associadas a ela, uma das mais belas é a Oração Cigana da Prosperidade.
“Salve minha Santa Sara, mãe de todos os ciganos dessa terra ou do além túmulo.
Mãe de todos os ciganos e protetora das carruagens ciganas.
Invocando teu poder, minha poderosa Santa Sarah Kali, para que abrande meu coração e tire as angústias que depositaram aos meus pés.
Santa Sara me ajude!
Abra meus caminhos para a fé no teu poder milagroso.
Venceste o mal, todas as tempestades e caminhou nas estradas que Jesus Cristo andou.
Mãe dos mistérios ciganos que dá força a todos os ciganos no dom da magia, me fortaleça agora.
Bondosa Santa Sara, abranda os leões que rugem para me devorar.
Santa Sara, afugenta as almas perversas para que não possam me enxergar.
Ilumina minha tristeza para a felicidade chegar.
Rainha, atravessaste as águas dos rios e do mar e não afundaste e eu invoco teu poder para que eu não afunde no oceano da vida.
Santa Sara, sou pecador, triste, sofrido e amargurado.
Traga-me força e coragem, como dás a todo o povo cigano.
Mãe, senhora e rainha das festas ciganas.
Nada se pode fazer em uma tenda cigana sem primeiro invocar teu nome, e eu invoco pelo meu pedido, Santa Sara.
Tocam os violinos, caem as moedas, dançam as ciganas de pés descalços em volta da fogueira, vem o cheiro forte dos perfumes ciganos, as palmas batendo, louvando o povo de Santa Sara.
Que o povo cigano me traga riquezas, paz, amor e vitórias.
Agora e sempre louvarei teu nome, Santa Sara, e todo o povo cigano.
Assim seja e assim será.
Optchá!”
A prosperidade e a fartura, apesar de encararmos apenas como riqueza material, envolve muito mais que isso. Esse ano pediremos a Santa Sara Kali que, mesmo na pobreza, que possamos ter o coração cheio de alegria. Que possamos praticar a caridade no lugar da mesquinhez. Que na época da seca, da peste, da dificuldade, que ninguém vire as costas ao seu irmão para guardar suas posses para si. Que um dia possamos todos compartilhar o pão sentados em volta da mesma fogueira, cantando a mesma canção, cada um em sua língua. Que o mundo inteiro seja um único acampamento. É essa a maior lição para aprendermos de um povo que tem o mundo como sua casa, o céu e as estrelas como seu teto, a humanidade como sua família e o coração como seu guia.